As rosas também têm espinhos

Artigo escrito por Felipe Rodrigues

“O menino é pai do homem”. O trecho do pequeno poema de William Wordsworth carrega consigo imenso significado, tanto que inúmeros escritores posteriores a ele discorreram sobre a afirmação e fizeram uso dessas brilhantes palavras. Machado de Assis, por exemplo, usou a frase para intitular um capítulo inteiro de Memórias Póstumas de Brás Cubas, considerada, por muitos, a magnum opus do renomado autor brasileiro. Irrefutavelmente, o que se vive nos dias atuais é resultado direto do que se fez no passado. E é justamente por isso que as Associações de Proteção Veicular precisam se atentar às origens para não caírem nas armadilhas do futuro.

A atualidade contempla um crescimento significativo nos índices de fraudes registrados no mercado.  Em 2017, segundo relatório da CNseg, os sinistros com suspeita de irregularidades somaram 15,8%, o equivalente a 5,2 bilhões de reais. Entretanto, apenas 14,1% dessas suspeitas foram comprovadas, ou seja, 2,2% do valor total das indenizações. Ao comparar o quociente do valor das fraudes comprovadas pelo valor dos sinistros ocorridos em 2017 (2,2%) com 2016 (1,8%), observa-se um aumento, em termos relativos, de aproximadamente 22,2%. Todas essas informações foram extraídas do mercado segurador, haja vista o seguimento associativo voltado à proteção veicular ainda não possuir nenhum sistema que centralize e quantifique os eventos fraudulentos. Os problemas são diversos e vão desde documentações espúrias até a mais conhecida falsa comunicação de roubo. Os casos de colisões também possuem muitas anomalias; trocas de condutor, excesso de velocidade e embriaguez ao volante são os problemas mais comuns. O número é alarmante e pode trazer consequências graves ao segmento.

Compreende-se que as associações abarcam um grande número de veículos excluídos pelo mercado segurador o qual, por algum motivo, já declinou o risco e decidiu não atender essa parcela da sociedade.  O sistema mutualista é fascinante, e ao mesmo tempo assustador exatamente pela causalidade inevitável que carrega consigo. A proposta, inevitavelmente, ignora os riscos por não realizar análise de perfil, porquanto toma-se como base apenas o valor do bem a ser protegido. Corrigir essa vulnerabilidade seria um erro grotesco, pois essas entidades surgiram, justamente, para proteger essa demanda. Nada obstante, não é só de boa intenção que vive o homem, sendo assim, é vital buscar outras formas para amenizar o problema. Tais associações nasceram da sociedade e são governadas, em maioria, por pessoas dotadas de dedicação ímpar, mas que, infelizmente, não gozam de experiência com sinistros, sobretudo das minúcias dos eventos fraudulentos. Todos esses fatores corroboram para um desarranjo financeiro o qual pode afetar diretamente todos os associados e, até mesmo, liquidar por completo a entidade.

“Acordar para quem você é requer desapego de quem você imagina ser”.  A frase de Alan Watts, teólogo e filósofo inglês, pode ser perfeitamente aplicada ao setor mutualista. O imaginário é diferente da realidade. É preciso tornar-se consciente, caso contrário, o inconsciente guiará a vida e você o chamará de destino. A necessidade de organização, união, criação, desenvolvimento, aperfeiçoamento e, acima de tudo, reconhecimento das fragilidades do setor devem ser tratadas como prioridades. Nunca se falou tanto em regulamentação das associações de proteção veicular, por conseguinte este é o melhor momento para se estabelecer diretrizes e normas a serem seguidas.

Desenvolver um sistema que seja alimentado pelas entidades, com o objetivo de centralizar e quantificar os sinistros suspeitos, é o primeiro passo para se conseguir viabilizar estratégias de combate e controle dos criminosos. Ademais, é fulcral estabelecer uma cultura antifraude por toda a empresa, a começar pela exaltação daqueles que estão fazendo um valoroso trabalho na luta em desfavor desse crime. Ao mesmo tempo, é extremamente necessário dedicar maior investimento em treinamento especializado a todos os funcionários da associação, e não só àqueles que compõem o setor de sinistros, como de costume. Vale ressaltar que qualquer membro da equipe pode identificar uma atitude suspeita e transmitir a informação aos responsáveis, para que sejam tomadas, com o máximo de brevidade, as providências cabíveis.

Muito tem se falado sobre esse assunto no setor securitário. Recentemente, durante evento promovido pela Academia Nacional de Seguros Privados, a consultora de gestão de riscos e compliance, Naiara Augusto, abordou a volatilidade do mercado de seguros e a gestão de riscos de integridade dentro do programa de compliance. “Há uma necessidade de observar o planejamento estratégico e a antecipação em relação a riscos. Dificilmente a empresa conseguirá alcançar o sucesso almejado se não houver aliança entre a governança corporativa, a integridade e a gestão de riscos”, afirma. O jornal Folha de São Paulo também publicou matéria enfatizando que a tecnologia aprimora o combate aos crimes no setor de seguros. A notícia ofereceu destaque aos softwares que realizam o cruzamento de informações em segundos, por meio de Big Data. “A inteligência artificial mastiga as informações, detecta incoerências e entrega aos analistas. Este não conseguiria fazer isso sozinho”, disse Ricardo Saponara, especialista da empresa SAS.

O setor associativo não pode ficar para trás, até porque está nitidamente mais exposto aos fraudadores do que as seguradoras. Em conjunto, até o momento, pouco se tem feito no combate à fraude. O tema parece ser desprezado pela maioria. Os que já realizaram investidas nessa batalha, de maneira individual, puderam comprovar o tamanho do impacto causado por esses malfeitores, todavia sabe-se que é impossível vencer uma batalha sozinho. Nesse sentido, é indispensável a criação de um elo que viabilize a comunicação entre os representantes do setor como um todo, desde advogados, passando pelas associações e chegando até os prestadores de serviços. Simpósios, congressos, conferências, workshops são exemplos de eventos que podem promover a união e o compartilhamento de experiências. Algumas entidades já identificaram essa premência e têm trabalhado nesse azimute. A proposta é obter um maior engajamento na identificação e estratégia para inibir e combater as fraudes, afinal de contas, como disse Henry Van Dyke, a melhor roseira não é aquela que tem menos espinhos, mas a que produz as mais belas rosas.